É considerado enurese noturna o distúrbio esfincteriano que ocorre após os 5 anos de idade. A criança faz xixi na cama à noite, mesmo já sendo capaz de controlar a urina durante o dia.
O período de aprendizagem do controle esfincteriano (2-4 anos) desperta na criança a consciência de que “agora sou capaz de dominar meu corpo, tenho vontade própria”. Ela sente prazer nessa experiência de aprender a controlar o corpo, tem sensações de alívio e gratificação na eliminação da urina e das fezes. Ao iniciar o treinamento esfincteriano, a criança passa da liberdade e do prazer para a responsabilidade e o controle do próprio corpo, tendo de aprender a se preocupar em agradar aos cuidadores e receber aprovação familiar e social.
A enurese predomina nos meninos por ter efeito de autoerotização e uma tentativa de afirmação viril, onde o menino entra em disputa com o pai, a quem vê como rival, agindo disfarçadamente para se opor ao seu poder masculino. A mãe é a figura desejada na família e, se age com complacência, bem como o pai, saindo da cama do casal, retomando o uso da fralda ou a troca de roupa enquanto a criança dorme (não a acordando), o benefício secundário de receber o cuidado materno exclusivo será reforçado, o que retardará o desejo de autonomia e de adquirir controle do próprio corpo, obstruindo assim o processo de crescimento emocional em direção à autorregulação e à autoconfiança para enfrentar o ambiente.
O menino desenvolve assim, uma atitude passivo-agressiva, podendo não aprender a defender-se, não saber argumentar, não contrariar o outro, chorar facilmente quando contrariada, caracterizando uma conduta infantil diante do outro forte e temido.
Geralmente, a enurese surge após fatos geradores de ansiedade – como ingresso na escola, separação dos pais, nascimento do irmão, mudança de cidade, perda de um ente querido, hospitalização – os quais levam a criança a uma regressão ao estágio de bebê, em que não tem domínio e consciência sobre o corpo, não pensa em seus atos e sentimentos, age instintivamente com o intuito inconsciente de obter o benefício de se fazer cuidar.
Esse sintoma sinaliza regressão, imaturidade emocional (da criança e dos pais), descarga de ansiedade e de agressividade. Pode ainda representar certa dificuldade dos pais de lidar com separação e autonomia, apontando para a manutenção de um vínculo de dependência emocional mútua entre a criança e as figuras parentais. É pelo xixi que a criança despeja para fora tudo o que não aguenta dentro dela, tudo o que a angústia – o medo de crescer, a hostilidade contra a mãe, a rejeição ao controle externo. Para Almeida (2016), a impossibilidade de exibir agressividade pode estar na origem de um grande número de manifestações somáticas.
Tanto a criança quanto os pais necessitam aprender a aceitar a autonomia e a separação, enfrentando as pressões e adversidades do dia no intuito de conquistar poder pessoal e autoconfiança. Dê a criança senso de responsabilidade pelo controle de sua enurese, mas evite críticas, repreensão e castigos, para não agravar o sintoma nem elevar a ansiedade, a culpa e a vergonha.
Antony & Zanella. Infância na Gestalt-terapia – caminhos terapêuticos. São Paulo, Summus, 2020.