Conforme o DSM-5, a encoprese é caracterizada pela eliminação de fezes em locais inadequados, como roupa ou chão. É involuntária, mas ocasionalmente pode ser intencional.
São reconhecidos dois subtipos: Com constipação e incontinência por extravasamento, onde a eliminação pode ser infrequente e apenas parte das fezes é evacuada durante a ida ao banheiro; Sem constipação e incontinência por extravasamento, onde a defecação é intermitente, podendo as fezes serem depositadas em um local destacado, o que normalmente está associado à presença de transtorno de oposição desafiante ou transtorno de conduta, ou pode ser ainda, consequência de masturbação anal. A idade cronológica mínima é de 4 anos.
Muitos pais iniciam este treinamento antes dos 2 anos de idade, crendo que a criança já seja capaz de aprender a reter e expulsar as fezes. A criança pode até aprender por coerção, com medo de contrariá-los, mas os sintomas da falta de respeito a seu corpo e cérebro se mostrarão mais tarde como sintomas de constipação e encoprese, entre outros de ordem gastrointestinal. A maturação do cérebro para estabelecer as conexões neuronais do controle motor-muscular sobre o corpo só se dá a partir dos 2 anos de idade.
A teoria psicanalítica considera que as fezes têm o significado de “tesouro/presente” ou “nojo/repugnância”, o que dependerá das vivências que a criança estabelece com a mãe e o pai no treinamento de sua expulsão. Se os pais, ao ensinarem o controle das fezes, agem com excitamento e prazer (“Vamos fazer cocô”, Que bom! Parabéns! Tchau, cocô!”) quando ela evacua no vaso, ela entenderá que aquilo que sai do seu corpo é agradável para os pais, é um presente que os faz vibrar com ela e o seu produto. Caso os pais ajam com repulsa, a criança entenderá que é objeto de desagrado e nojo, que é má, estabelecendo o conflito da ambivalência dos sentimentos de ódio (mágoas, ressentimentos) e amor, com condutas de relutância para entregar seus presentes ao mundo.
Há também a compreensão de que a criança quando retém as fezes na cueca, expressa uma necessidade de encobrir o ânus, a fim de se proteger de algo externo gerador de ansiedade e medo, como em casos de abuso sexual. As fezes depositadas no chão da casa, após negar que o desejo de fazer cocô, pode ter um caráter agressivo, para que seja vista, cheirada e para sujar o ambiente, como um mecanismo defensivo secundário de afastamento relacional.
As fezes, portanto, estão para além da esfera educativa – aquisição do hábito da higiene – e biológica – amadurecimento neuromuscular; assumem valor psicológico importante na constituição subjetiva da criança centrada em aspectos relacionais que envolvem a capacidade de dar amor (dar uma parte de si mesma) e recebê-lo (ser um presente para o outro), de oposição e liberdade da agressividade.
Antony & Zanella. Infância na Gestalt-terapia – caminhos terapêuticos. São Paulo, Summus, 2020.